O emagrecimento é sem dúvida um
dos principais objetivos das pessoas que iniciam a pratica regular de
exercícios físicos. Mesmo os que não estão obesos ou com sobrepeso por vezes
recorrem a alguma estratégia para eliminar gordura e ficar com o corpo
“trincado", "definido", "sarado", "rasgado",
etc. Uma das estratégias mais polêmicas é o chamado aeróbio em jejum (AEJ),
também conhecido pelo termo "aerobiose". Basta ver a enxurrada de
tags que inundou as redes sociais, com pessoas postando as mais diversas
imagens realizando e incentivando essa prática.
As recomendações podem variar, mas existe um protocolo facilmente encontrado na
internet que indica a realização de exercícios aeróbios contínuos, de
intensidade leve a moderada, com duração de 20 a 60 minutos. Os praticantes
sugerem a realização dessa atividade pela manhã, assim que acordar. A ideia
seria aproveitar as baixas reservas de glicogênio após uma noite de sono. Com
os estoques de glicogênio comprometidos pelo jejum noturno, nosso corpo
priorizaria a oxidação de gorduras no fornecimento de energia para essa
atividade.
Devo admitir que a ideia por trás do conceito do AEJ/aerobiose é de fato
tentadora. Ela se baseia na dinâmica da utilização de substratos (carboidrato,
gordura e proteína) para fornecimento de energia durante o exercício físico, a
chamada abordagem metabólica (Gentil, 2010).
Abordagem metabólica
A oxidação das gorduras atinge seu ponto máximo por volta dos 64% do Vo2max,
intensidade considerada de leve a moderada, tornando-se insignificante a 89% do
Vo2max, o que corresponde a aproximadamente 92% da frequência cardíaca máxima
(Achten et al., 2002; Romijn et al., 1993). Assim, podemos dizer que quanto
mais intenso for um exercício, menos gordura será mobilizada durante sua
execução. Diante disso, foi postulado que a prática de exercícios objetivando o
emagrecimento, deveria ser realizada em baixa intensidade e longa duração.
Pronto! Estava criada a chamada “Zona de Queima de Gorduras”. Bastaria se
exercitar numa frequência cardíaca que correspondesse a intensidade onde ocorre
a taxa máxima de oxidação de gorduras, também conhecida pelo termo em inglês
FATmax, para emagrecer.
Por mais que o raciocínio lógico nos leve a crer que essa abordagem seja uma
proposta válida, Gentil (2010) cita várias revisões e meta-análises concluindo
que a priorização do metabolismo das gorduras durante o exercício (modelo
aeróbio), não é a melhor estratégia para emagrecer (Ballor & Keesey, 1991;
Ballor & Poehlman, 1994). Como exemplo, podemos utilizar a comparação
clássica entre o atleta de Endurance vs Velocidade. Velocistas possuem
percentuais de gordura menores do que atletas de endurance (maratonistas,
triatletas, fundistas), mesmo esses últimos se exercitando e competindo, quase
que exclusivamente priorizando o metabolismo das gorduras (Fleck, 1983; Pipes,
1977).
Voltando ao aeróbio em jejum
Apesar de se falar em Aeróbio em Jejum, muitas vezes são ingeridos alguns
suplementos antes da realização dessa atividade no intuito de prevenir a perda
de massa muscular. Para compreender onde reside a incoerência dessa prática, é
preciso lembrar que a glicose é fundamental para o bom funcionamento do nosso
corpo. O cérebro, por exemplo, só funciona na sua presença.
Quandopassamos muito tempo sem nos alimentar, a glicose sanguínea
(glicemia) pode cair bastante, instaurando um quadro conhecido por hipoglicemia
(McArdlle, 2008). Dores de cabeça, tontura, enjoo, náuseas, escurecimento da
vista, desmaio e, em casos extremos, coma seguido de morte, são consequências
da falta de glicose no sangue.
Como os estoques de glicogênio estão comprometidos pelo jejum, nosso organismo
vai tentar detodas as maneiras produzir glicose e evitar as complicações
causadas pela sua baixa disponibilidade. Para nossa sorte, a glicose pode ser
sintetizada a partir das gorduras (triacilglicerol) e das proteínas
(aminoácidos), processo chamado gliconeogênese.
Como a perda de proteínas nem sempre é um resultado desejável, algumas pessoas
sugerem a ingestão de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) e/ou Glutamina
cerca de 30 minutos antes de iniciar o AEJ. A ideia é prover um fornecimento
exógeno de substratos para a via gliconeogênica, e evitar a utilização dos
aminoácidos que compõem a massa muscular (proteólise).
No entanto, a ingestão de aminoácidos numa situação de jejum e esforço, como as
vivenciadas durante o AEJ, só surtirá o efeito desejado (poupar proteínas) se
os aminoácidos forem convertidos em glicose. Assim, os aminoácidos, que possuem
valores de comercio muito mais elevados do que os carboidratos, serão
convertidos em glicose pelo nosso organismo. Sendo que pra evitar a proteólise
bastaria realizar uma refeição leve no café da manhã, de modo a fornecer
quantidades satisfatórias de carboidratos, excelente poupador de proteínas
(McArdlle, 2008).
Outra incoerência observada
na prática do AEJ é a definição de jejum. A ingestão de aminoácidos caracteriza
a “quebra” do jejum. Afinal, jejum significa inanição, ausência total de
ingestão calórica por um determinado período. Os ativistas que o digam. Em
protestos envolvendo greve de fome, ninguém ingere aminoácidos ou
qualquer outra substância! Nesse caso o termo correto não seria
“Aeróbio em Jejum”. Seria aeróbio em Low Carb.
Efeitos fisiológicos da atividade física
em jejum
Mesmo quando o Jejum é real (sem ingestão de aminoácidos), os resultados das
pesquisas não apoiam essa prática. Paoli et al. (2011), verificaram a diferença
no metabolismo das gorduras durante um exercício aeróbio moderado (36min/65%FC)
na esteira pela manhã em duas situações: 1) alimentado e 2) Jejum (Jejum de
verdade, inanição total).
Doze horas após o exercício, o
grupo que se alimentou continuava com o VO2máx elevado, enquanto o quociente
respiratório reduziu significativamente, indicando maior utilização de gorduras
na situação alimentado, mas não quando o exercícios era realizado em jejum. E
24hs após o exercício, a diferença ainda era significativa, com maior gasto
energético e de gordura para quem se alimentou antes do exercício. Assim, os
autores concluíram que o exercício aeróbio moderado, para perda de peso,
realizado em JEJUM, não aumenta a oxidação de Gorduras e uma refeição leve é
aconselhável.
O jejum também não se mostrou superior mesmo após seis semanas de Treinamento
Intervalado de Alta Intensidade (HIIT) em mulheres obesas ou com sobrepeso. Ou
seja, não é o estado de jejum que favorece a oxidação de Gorduras, como muitos
acreditam, mas a intensidade do exercício (Gillen et al 2013).
Embasamento
Na maioria das vezes os textos que defendem o AEJ, se apoiam na figura de um
pesquisador sueco chamado Torbjorn Akerfeldt. Geralmente eles fazem uma citação
direta do pesquisador, mas nunca colocam o ano da publicação entre parênteses
após o nome dele. É que aparentemente, o Torbjorn Akerfeldt nunca publicou isto
em revista científica. Ele publicou na "renomada" Muscle Midia na
década de 1990, que está extinta.
Torbjorn Akerfeldt, realmente é sueco e publicou alguns artigos científicos. Ao
digitar seu nome na pubmed, foram listados nove artigos, sendo o primeiro deles
em 2003. Suas publicações em periódicos científicos,
em nenhum momento tratam da oxidação de gorduras ou aeróbio em jejum.
A linha de pesquisa dele é processo inflamatório e proteína-C reativa.
A utilização de apenas um artigo científico para justificar qualquer prática
que seja pode ser classificado como pobreza de evidências. Imagina quando esse
artigo é de uma revista comum (tipo Boa Forma), que não existe mais e ainda por
cima orienta as pessoas a realização de uma atividade que não surte os efeitos
desejados.
Outras pessoas utilizam como referência pesquisas realizadas em mulçumanos
durante o jejum do Ramadã. Porém vale lembrar que durante o Ramadã, mês sagrado
para os mulçumanos, o ato de jejuar ocorre do nascer ao pôr do sol,
caracterizando um jejum intermitente, com possível supercompensação
de carboidratos. Sem contar que os próprios pesquisadores alertam para o
fato da amostra já estar familiarizada com essa prática desde a infância, podendo
ter desenvolvido uma adaptação específica, o que se torna uma séria limitação
dos estudos com essa população (Trabelsi et al. 2012).
Por mais que as pessoas não levem
em consideração o que os artigos ora apresentados concluem, podemos
hipoteticamente supor que a Abordagem Metabólica é válida e contabilizar a
quantidade de gorduras oxidadas durante o AEJ. Num cenário bastante otimista a
perda de gorduras será ínfima. Algo em torno de 12 gramas para uma pessoa com
70kg se exercitando a 60% da FC (Calles-Escandon et al, 1991).
Portanto, podemos concluir que a
prática do AEJ não tem apoio em artigos científicos e está presa ao paradigma
de que para emagrecer é preciso oxidar gorduras durante o exercício (abordagem
metabólica). Na realidade, estratégias para emagrecimento, devem envolver
treinamento de força com exercícios resistidos associados a protocolos de
treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT), que estimulam a elevação da
Taxa Metabólica de Repouso e mantém a oxidação de gorduras elevada, mesmo horas
após sua execução (Hunter et al., 2000).
Referências
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Autor: Eduardo Porto