Produtos
da Herbalife®, uma das marcas de suplementos alimentares para emagrecer mais
conhecidas, foram objeto de estudos clínicos sobre intoxicação no fígado na
Suíça e em Israel, e publicados em 2007 no Journal of Hepatology, revista
científica européia, uma das mais conceituadas na área. Ambos os estudos
relacionam o uso de produtos da marca Herbalife® e lesões hepáticas graves,
como morte de células ou parte do tecido do fígado (necrose) e inflamação do
fígado (hepatite).
A
divulgação dos artigos alertou pesquisadores, inclusive da Universidade
Estadual de Maringá (UEM), sobre riscos à saúde aos quais consumidores de
produtos ditos naturais, vendidos como suplementos alimentares ou dietéticos,
podem estar sujeitos.
Na
avaliação do professor de Farmacologia da Universidade Estadual de Maringá
(UEM), Roberto Bazotte, o registro e a comercialização deste tipo de produto
sem que sejam feitos exames de toxicidade prévios é um equívoco. "Quando
não são feitos estudos toxicológicos em animais de laboratório, o cobaia é o ser
humano", afirma. Bazotte espera que o resultado dos estudos suíço e
israelense contribua para disseminar a importância da pesquisa científica que
deve anteceder o lançamento de qualquer produto para o consumo humano.
O
alerta chegou também à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que
solicitou os processos de todos os produtos registrado no País pela empresa
Herbalife® International do Brasil Ltda., para reavaliação dos mesmos quanto à
segurança de uso como alimentos. Em vários países, incluindo o Brasil, o
registro sanitário de suplementos alimentares ou dietéticos é feito na
categoria ?alimentos?, e não ?medicamentos?, o que os livra dos rigorosos
processos de aprovação e controle.
O
editorial de apresentação dos estudos, "Slimming at all costs: Herbalife®
induced liver injury" (Emagrecendo a todo custo: Herbalife® causa lesões
no fígado), assinado por Felix Stickel, do Instituto de Farmacologia Clínica da
Universidade de Berna, informa que muitos indivíduos que consomem suplementos
alimentares se consideram "clientes" em vez de "pacientes",
pois não têm a intenção específica de tratar doenças, senão melhorar a saúde de
modo geral.
O
editorial prossegue e esclarece que relatórios sobre reações adversas e lesões
no fígado pela utilização de suplementos alimentares ou dietéticos são
ocorrências médicas, pois estes preparados naturais não são tão inofensivos
quanto anunciados.
Ainda
de acordo com o editorial, as lesões observadas nos pacientes são típicas de
intoxicação por Plantago ovata e Emblica officinallis, ervas que atuam na
sensação de saciedade e na estimulação do apetite, e não se pode negar que os
produtos analisados contém uma das substâncias. A contaminação do fígado com
químicas, tais como conservantes, pesticidas, realçadores de sabor e metais
pesados, adicionados propositalmente à fórmula ou presentes nos produtos crus,
também são descritos no editorial.
O
fato dos pacientes acompanhados terem ingerido entre três e 17 diferentes
produtos Herbalife®, torna extremamente difícil, senão impossível, identificar
o agente causador da intoxicação, até porque a empresa se recusou a fornecer as
fórmulas para análise detalhada. As suspeitas recaem sobre a efedrina e o
N-nitroso-fenfluramina.
Stickel
também respondeu a reportagem de O Diário por e-mail. Ele acredita que a
Herbalife® tentará questionar a relação entre a ingestão dos produtos e as
lesões no fígado, mas não está seguro sobre a utilidade da informação para os
consumidores. "Talvez os pacientes se tornem mais céticos, mas tenho dúvidas
que isso vá acontecer. A procura por esse tipo de produto é inacreditável e
rende bem no bolso daqueles que acreditam que isso só faz bem."
Cientistas querem rigor no registro
Em
entrevista concedida por e-mail, o pesquisador suíço Juerg Reichen, professor
de Hepatologia da Universidade de Berna, diz que o estudo clínico foi iniciado
a partir da observação de um caso de lesão fulminante no fígado, seguindo os
critérios CIOMS da Organização Mundial da Saúde. "Herbal does not mean
innocuous: ten cases of severe hepatotoxicity associated with dietary
supplements from Herbalife® products" (Natural não necessariamente
significa sem efeito tóxico: dez casos de hepatotoxicidade severa associados
com a dieta suplementar dos produtos Herbalife®), envolveu oito pesquisadores,
entre médicos e farmacêuticos.
Por meio de um questionário, foram
identificados 12 casos de intoxicação do fígado associados a produtos
Herbalife®, entre 1998 e 2004. Dois casos foram excluídos. Os outros dez
pacientes, com idades entre 30 e 69 anos e que passaram a manifestar sintomas
após cinco meses de uso dos produtos, foram acompanhados. A biópsia do fígado
de cinco pacientes apresentaram morte celular irreversível (necrose) e
inflamação elevada (hepatite). Um paciente,cujo fígado parou de funcionar, foi
transplantado, com sucesso. Analisado, o órgão apresentou hepatite severa.
Outros três pacientes apresentaram hepatite fulminante, síndrome de obstrução
de microestruturas do fígado e destruição gradual de células do órgão (cirrose
hepática). Os pesquisadores suíços concluem pela gravidade das lesões
observadas e recomendam, ao lado de maior detalhamento dos componentes da
fórmula, regras de regulação mais rígidas.
Ao
mesmo tempo, afirmam que a ameaça à saúde pública dos produtos Herbalife® é pequena
e não deveria ser exagerada, se comparada aos incidentes de reações hepáticas
com drogas sintéticas.
Estudo recomenda cautela
Em
Israel, o estudo "Association between consumption of Herbalife®
nutritional supplements and acute hepatotoxicity" (Associação entre
consumo do suplemento alimentar Herbalife® e hepatotoxicidade aguda) foi feito
a pedido do Ministério da Saúde, após serem identificados quatro casos de
hepatite associados ao consumo dos produtos da marca, em 2004.
Uma investigação em diversos hospitais
do país teve início. Doze pacientes com lesões idiopáticas (sem causa
conhecida) no fígado, que faziam uso de produtos Herbalife® foram acompanhados.
Do total, 11 eram mulheres. Duas já tinham lesões e pioraram com o consumo dos
produtos. Por volta do 11º mês de uso, os danos ao fígado começaram a se
manifestar.
Onze pacientes superaram o quadro de
hepatite sem seqüelas. Três deles, que voltaram a consumir produtos Herbalife®,
desenvolveram a doença novamente. O transplante de fígado foi necessário para
um deles, que não sobreviveu. Os cientistas recomendam cautela aos consumidores
dos produtos.
Ong quer rótulo mais esclarecedor
Em
1995, em uma doação desangue, o químico e economista Carlos Varaldo descobriu
que tinha o vírus da hepatite C. Os médicos não lhe deram esperança de cura e
nem aconselharam tentar o tratamento. "Decidi lutar, pois não poderia
morrer antes de minha mãe. Com a doença de Alzheimer, ela dependia da minha
ajuda. Estudei a doença, tratei e estou curado há 10 anos."
Por
orientação de um cientista, Varaldo importou da Itália ribavirina e interferon,
medicação para o tratamento de hepatite que ainda estava sendo pesquisada. Ele
tomou ribavirina por 21 meses e interferon por mais 18 meses. Hoje, este é o
tratamento padrão para a doença no mundo. Desde então, Varaldo freqüenta
congressos médicos que discutem hepatite, integra o Comitê de Ética de
Pesquisas em Seres Humanos da Fundação Oswaldo Cruz e coordena a organização não-governamental
Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite, que mantém na internet uma
página com informações sobre a doença (www.hepato.com). Mais de 27.500 pessoas
são cadastradas. No dia 15 de outubro de 2007, Varaldo divulgou as publicações
do Journal of Hepatology na página. A Herbalife® enviou uma nota de
esclarecimentos, também publicada.
A
nota foi encaminhada para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
"Espero que a Anvisa tome providências imediatas, obrigando a empresa a
colocar nos rótulos que os produtos devem ser evitados por quem tem algum
problema no fígado e que somente devem ser ingeridos após consulta
médica", diz Varaldo.
O
presidente do Grupo Otimismo também espera que a Sociedade Brasileira de
Hepatologia e o Programa Nacional de Hepatites Virais também solicitem a
adequada rotulagem à agência.
Anvisa tem registro da Herbalife®
Na
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os "suplementos
alimentares" podem ser enquadrados nas categorias de Alimentos para
Dietas, Novos Alimentos, Alimentos com Alegações de Propriedade Funcional e/ou
de Saúde, Substâncias Bioativas e Probióticos e Suplementos Vitamínicos e ou
Minerais.
O
registro é individual e obrigatório antes da comercialização do produto. Os
produtos Herbalife® são registrados como Alimentos para Dietas. O Pó para o
Preparo de Bebidas para Controle de Peso, por exemplo, está registrado sob o
número 6.1609.00046.1609.0004.
De
acordo com informações fornecidas pela assessoria de comunicação da agência, somente
os produtos registrados nas categorias novos alimentos e alimentos com
alegações de propriedade funcional e/ou de saúde devem passar por avaliação de
segurança de uso e/ou comprovação de eficácia da alegação de propriedade
funcional e ou de saúde pretendida.
Para
isso, são exigidas evidências científicas tais como ensaios nutricionais e/ou
fisiológicos e/ou toxicológicos em animais de experimentação, ensaios
bioquímicos, estudos epidemiológicos, ensaios clínicos e outras providências.
Segundo
a assessoria de comunicação, a Câmara Técnica de Alimentos vai discutir os
resultados dos estudos. Entre os pontos que deverão ser analisados estão a
metodologia dos estudos e as fórmulas dos cerca de 17 produtos utilizados pelos
pacientes, já que a variação das fórmulas de produtos vendidos em diferentes
países é freqüente.
Se
o risco à saúde pública for confirmado, os produtos podem ser interditados e
ter a comercialização proibida. Dependendo do resultado do processo
administrativo sanitário, a empresa também poderá ser multada.
Empresa afirma que suplementos são
seguros
Herbalife®
se manifesta por meio da assessoria de comunicação e afirma que produtos não
oferecem risco à saúde e que não há evidência conclusiva dos problemas
relatados Em nota oficial enviada pela assessoria de imprensa, a Herbalife®
afirma que os produtos estão presentes em 65 países ao redor do mundo, são
comercializados por 1,6 milhões de distribuidores independentes e estão sendo
largamente consumidos ao longo desses 27 anos em que a empresa está no mercado.
"Não existe nenhuma evidência conclusiva de que os produtos da Herbalife®
sejam responsáveis pelos problemas hepáticos relatados nos artigos
citados", afirma a empresa em nota oficial.
A
empresa se diz ciente do relato de que um número infinitamente pequeno de
consumidores apresentou alteração nos valores considerados normais para as
enzimas hepáticas. Em resposta, a companhia consultou especialistas em
hepatologia, promoveu pesquisas independentes, colaborou com as autoridades governamentais
e afirma que não foi encontrada nenhuma base científica para afirmar que
qualquer produto da marca, quando consumido como recomendado no rótulo, seja
potencialmente tóxico ou que exista qualquer componente nesses produtos que
possa oferecer danos para o fígado.
Ainda
de acordo com a nota, a Herbalife® realizou todos os exames sobre os produtos
sugeridos pelo Ministério da Saúde de Israel, incluindo pesquisas sobre toxinas
hepáticas conhecidas, metais pesados e pesticidas. Todos os testes foram negativos
e devidamente encaminhados para as autoridades israelenses.
A
empresa assume que existem diversos fatores que podem ser responsáveis pelos
valores anormais das enzimas hepáticas experimentados pelos pacientes
discutidos nos artigos científicos. Inicialmente, muitos desses indivíduos já
apresentavam previamente sérias complicações médicas, tais como infiltração
gordurosa do fígado, síndrome metabólica e hepatites, que são as causas mais
comuns das alterações hepáticas que eles acabaram por manifestar. A nota
oficial informa ainda que todos os produtos são detalhadamente rotulados com as
instruções e recomendações de uso. Além disso, a companhia recomenda que
pessoas com eventuais problemas de saúde, gestantes ou lactantes consultem um
profissional capacitado antes de iniciar um programa de controle de peso ou de
suplementação nutricional.
Defesa
Nataniel Viuniski - Nutrólogo,
integrante do Conselho - Médico da Herbalife® no Brasil
- O artigo da pesquisa suíça informa
que a Herbalife® se negou a fornecer a fórmula para análise detalhada. A
empresa colaborou ou não com o estudo?
O
editor da revista, Felix Stickel, tentou entrar em contato com a Herbalife®
através do escritório da empresa na Alemanha, que é uma representação pequena,
sem pessoal habilitado a prestar esse tipo de informação. Para desfazer esse
equívoco, o chefe do Conselho para Assuntos Nutricionais da Herbalife®, David
Heber, escreveu uma carta de esclarecimento à revista que deverá ser publicada
nas próximas edições.
-Se a empresa afirma que não há evidência
conclusiva da relação entre as lesões e os produtos, por que os artigos foram
publicados dois anos depois de concluídos? Como médico e cientista, respeito a
publicação.
Mas
o pequeno número de casos relatados, o grau de incerteza envolvido na obtenção
dos dados clínicos dos sujeitos afetados e o tempo passado entre o ocorrido e a
data da publicação, normalmente não justificariam a aprovação para publicação
desse artigo. Na minha experiência pessoal, nenhuma revista séria aceitaria para
publicação dados com tão baixas reprodutibilidades estatísticas.
-O senhor acredita que testes dos
produtos Herbalife® em animais de laboratório poderiam evitar dúvidas em
relação à segurança dos mesmos?
Nem
eu e tampouco as autoridades sanitárias dos países onde a Herbalife® está
presente vemos necessidade de realizar testes com animais de laboratórios,
exatamente porque a empresa assegura a segurança dos produtos.
Fígado sofre com lesões constantes
O
fígado responde por variadas e complexas funções. Entre elas, a metabolização
de remédios. São os fatores de coagulação e os que dissolvem coágulos, ambos
produzidos pelo fígado, que nos impedem de sangrar espontaneamente ou ter o
sangue coagulado dentro dos vasos. É também de responsabilidade do fígado
manter as taxas de glicose normais no sangue, mesmo no jejum prolongado, para
manter o cérebro em atividade. "A detoxificação das drogas torna o fígado
vulnerável à exposição excessiva a determinadas substâncias", explica o
hepatologista Ecio Nascimento, professor do Departamento de Bioquímica da
Universidade Estadual de Maringá (UEM). Segundo ele, as agressões ao fígado
ocorrem de duas maneiras: uma, diretamente ligada à quantidade. "O abuso
de álcool é um bom exemplo."
A
outra, chamada ?reação idiossincrássica?, independe da dose. "Um único
comprimido ou injeção de determinado medicamento pode causar uma hepatite
fulminante e ser fatal", explica. Geralmente, o fígado não dói. As
manifestações de que algo não vai bem podem variar entre icterícia, fadiga,
cansaço e alteração da consciência, que significa quadro grave. No entanto,
quando estes sinais aparecem, a doença hepática já pode estar em grau avançado
de destruição.
Na
avaliação de Nascimento, os suplementos alimentares e dietéticos deveriam
passar pelo mesmo rigor dos medicamentos para obter o registro junto aos órgãos
competentes. Para ele, o alerta feito pelos estudos estrangeiros é válido. De
um lado, por reforçar a necessidade do cuidado à saúde, o que inclui parcimônia
com o uso de produtos naturais. De outro, por lembrar que milagres só ocorrem
em novelas. "Quem tem sobrepeso ou está obeso deveria ter acompanhamento
médico para avaliar co-morbidades, como hipertensão arterial ou diabetes",
orienta. "É um erro acreditar que a vida mudará apenas consumindo
Herbalife®. É preciso esforço físico, diminuição do consumo excessivo de
alimentos e definição dos horizontes de vida, para que a diminuição do peso e
melhora da auto-estima sejam objetivos de longo prazo, não passageiros."
Carlos
Varaldo
www.hepato.com
hepato@hepato.com