O chá é a segunda bebida mais consumida no mundo, ficando atrás apenas
da água(1). O chá verde, produto obtido através das folhas frescas da erva
Camellia sinensis, recentemente tem recebido muita atenção em decorrência das
suas possíveis propriedades terapêuticas e de prevenção de doenças. Na verdade
existem relatos que desde 2700 a.C. o legendário imperador chinês Shen Nung já
havia atribuído ao chá verde propriedades desintoxicantes, e, anos mais tarde,
já na dinastia Tang (618-907 d.C.), o farmacêutico Chen Zang destacou uma série
de benefícios promovidos pelo consumo do chá verde(2).
O chá verde é considerado um potente antioxidante, e segundo alguns
estudos, possui propriedades que podem auxiliar no tratamento e redução da
incidência de câncer, na diminuição das concentrações de colesterol sérico,
auxilia no tratamento da hipertensão, diabetes e reduz risco de doenças
cardiovasculares, além de possuir propriedades anticoagulantes,
antiangiogênicas, antiinflamatórias, antibacterianas, antivirais e
neuroprotetoras(3,4). Mas o uso no ocidente tem sido bastante difundido devido
as suas propriedades termogênicas, sendo assim muitos indivíduos passaram a
utilizar o chá verde na tentativa de reduzir o percentual de gordura corporal e
tratar a obesidade.
Nas últimas décadas a medicina preventiva tem alcançado grandes avanços,
especialmente em países desenvolvidos. Diversas pesquisas têm demonstrado que a
nutrição tem um papel crucial na prevenção de doenças crônicas, visto que
grande parte delas realmente está relacionada a hábitos alimentares
inadequados. Os alimentos funcionais, tais como o chá verde, podem ser uma
importante arma na prevenção e redução dos fatores de risco de diversas
patologias, já que possuem propriedades fisiológicas potencialmente benéficas
para a saúde humana. O International Food Information Council 10 define como
alimentos funcionais aqueles que provêm benefícios adicionais à saúde, além
daqueles já atribuídos aos nutrientes que contêm (5).
Composição do chá verde
A composição química das folhas de chá verde é bem complexa, possuindo
15% a 20% de proteínas, 26% de fibras, 7% de outros carboidratos, 7% de
lipídios, 2% de pigmentos, 5% de minerais e 30% de compostos fenóliocos.
Diversos compostos ativos são responsáveis pelos possíveis benefícios do chá
verde, dentre eles: compostos alcalóides conhecidos como metilxantinas
(cafeína, teobromina e teofilina), pigmentos (clorofila e carotenóides), alguns
ácidos fenólicos (ácido gálico), a teanina (aminoácido mais abundante na folha
e que desempenha propriedades importantíssimas) e, principalmente, compostos
fenólicos conhecidos como polifenóis (flavanóis, flavandióis, e
flavonóides)(6).
Os polifenóis de maior importância são uma classe de flavanóis conhecida
como catequinas, e que no chá verde são encontradas em quatro formas distintas;
epicatequina, epigallocatequina, epicatequina-3-gallato e epigallocatequina
3-gallato, sendo esta última a mais abundante e de maior importância(6). As
catequinas são substâncias que se oxidam facilmente, então para manter sua
integridade o chá precisa ser feito de forma adequada, mantendo uma
proporcionalidade e temperatura ideal, e deve ser ingerido rapidamente(7).
Estudos do uso de chá verde no emagrecimento
Dentre todos os benefícios atribuídos ao chá verde, grande atenção tem
sido dada ao seu possível efeito no emagrecimento, e diversos estudos
realizados em animais, in vitro e humanos tem tentado comprovar tal efeito. Em
estudo realizado por Choo(8) em 2003, ratos alimentados com dieta hiperlipídica
que receberam água com extrato de chá verde conseguiram prevenir o ganho de
peso sem restringir o consumo energético total. O autor do estudo concluiu que
o efeito inibidor promovido pelo extrato aquoso de chá verde foi resultante da
diminuição da digestibilidade dos lipídios dietéticos, e principalmente em
função da termogênese ocorrida no tecido adiposo marrom mediado por ativação
beta-adrenérgica. Monteiro et al.(9) avaliaram o efeito do consumo de chá verde
por seis meses em ratos Wistar adultos e encontraram menor ganho de peso nesses
animais, quando comparados com o grupo controle, que não recebeu o chá. Outro
fato interessante nesse estudo foi que, além do menor ganho de peso, os animais
tratados com chá verde apresentaram maior taxa de apoptose nas células do
tecido adiposo, bem como menor tamanho dos adipócitos. Em estudo realizado por
Lin et al.(10), pré-adipócitos e adipócitos maduros incubados em solução com
epigallocatequina 3-gallato apresentaram uma inibição da adipogênese (inibição
da diferenciação dos pré-adipócitos) e indução da apoptose de adipócitos
maduros.
Evidências epidemiológicas têm demonstrado que o consumo crônico (>10
anos) de chá, em especial o chá verde, está associado com menores níveis de
gordura corporal em relação cintura quadril, que indivíduos que não fazem uso.
A média de consumo diário de chá observado nesse estudo foi de cerca de 435ml,
sendo que os indivíduos que o consumiam eram em média 19,6% mais magros11.
Duloo et al.(12) foram os primeiros a demonstrar claramente efeito termogênico
do chá verde. Nesse estudo 10 homens jovens foram colocados em uma câmara
respiratória por 24h em três momentos distintos e de forma aleatória, onde em
cada momento os indivíduos recebiam capsulas, as quais podiam conter 50mg de
cafeína mais 90mg de epigallocatequina 3-gallato, ou apena 50mg de cafeína, ou
placebo constituído de celulose. Os resultados mostraram um aumento de 4% da
energia despendida no grupo que ingeriu a cafeína mais a catequina, além de um
decréscimo no quociente respiratório, que reflete uma maior oxidação de
lipídios. O tratamento apenas com a cafeína isolada não produziu nenhum efeito
quando comparado com o placebo, o que levou os autores a concluir que o extrato
de chá verde apresenta propriedades termogênicas e promovem maior oxidação de
gordura.
O exercício físico ou drogas como efedrina estimulam o sistema nervoso
simpático, induzindo uma termogênese e aumentando assim o gasto energético
diário total. A cafeína também tem um efeito dispêndio energético, uma vez que
ela potencializa os efeitos termogênicos induzidos por algum estímulo
simpático(13). Uma associação já muito conhecida e com resultados expressivos
na redução do tecido adiposo em indivíduos obesos consiste em utilizar efedrina
em associação com a cafeína, os resultados obtidos nas pesquisas são bem
melhores do que os encontrados com o uso de cafeína ou efedrina isolada. A
interação da cafeína com a efedrina produz o seguinte efeito: enquanto a
efedrina atua no sistema simpático aumentando a liberação de norepinefrina, a
cafeína atua inibindo a ação da fosfodiesterase (essa enzima degrada o AMPc
intracelular), em outras palavras a cafeína aumenta as concentrações celulares
de AMP cíclico (o AMPc é 2 mensageiro intracelular para a termogênese mediada
pela norepinefrina)(14,15).
O extrato de chá verde contém cafeína, porém outras substâncias auxiliam
na termogênese produzida pelo chá, atuando no sistema nervoso simpático. Além
da fosfodiesterase, as concentrações de norepinefrina nas junções sinápticas e
sua interação com os adrenoceptores também são negativamente afetadas por uma
enzima chamada de catecol O-metiltransferase (COMT), que é responsável pela
degradação enzimatica da norepinefrina. Essa enzima (COMT) pode ser inibida
pelas catequinas presentes no chá verde(13). O chá verde é eficiente no aumento
da termogênese possivelmente devido a suas altas concentrações de cafeína e
polifenois (catequinas). Com relação ao efeito termogênico, as evidências
apontam para um sinergismo entre os polifenois (especialmente a
epigallocatequina-galato), a cafeína e um aminoácido chamado de teanina, sendo
esses dois últimos responsáveis por potencializar o efeito das catequinas.
Em estudo de 12 semanas realizado com homens com sobrepeso, o consumo de
altas doses de catequinas do chá verde (483 mg/d) comparado com baixas doses
(118,5mg/d) foi associado com uma redução significativa do peso corporal, do
percentual de gordura e da gordura visceral total(16). Outro estudo de 12
semanas com 240 japoneses com grande quantidade de gordura visceral, o consumo
de uma bebida contendo 583 mg/d de catequinas também reduziu de forma
significativa o peso corporal, total de gordura e a gordura abdominal quando
comparado com o grupo controle que ingeriu bebida com 96 mg/d de
catequinas(17).
Maki e colaboradores(18) em 2009 conduziram um estudo no qual o objetivo
foi verificar o efeito do consumo de bebida rica em catequinas na composição
corporal e distribuição de gordura em adultos com sobrepeso ou obesidade
submetidos a exercício físico. Após 12 semanas realizando exercícios (180
minutos de caminhadas por semana) não houve diferença significativa na perda de
gordura total do grupo que ingeriu a bebida comparado com o grupo controle
(placebo), entretanto houve uma redução estatisticamente significativa com
relação à gordura abdominal subcutânea. Isso levou os pesquisadores a concluir
que o consumo de bebidas ricas em catequinas (625mg/d) pode aumentar a perda de
gordura abdominal induzida pelo exercício. Venables et al.(19) investigaram os
efeitos da ingestão aguda de extrato de chá verde na tolerância à glicose e
oxidação de gordura durante o exercício moderado em humanos. Ao final do estudo
concluiu-se que a ingestão do extrato de chá verde aumentou a oxidação de
gordura durante o exercício em 17% quando comparado com o placebo, além de ter
aumentado a sensibilidade à insulina e tolerância à glicose em homens jovens.
Em outro estudo utilizando a combinação de catequinas e exercício os
pesquisadores, após realizarem análise de calorimetria indireta, concluíram que
o gasto energético foi maior nos indivíduos que consumiam as catequinas e
faziam exercício, comparado com o grupo que só se exercitava(20).
Em adição aos efeitos termogênicos, estudos realizados in vitro também
apontam para um potencial efeito inibidor da lípase gástrica e, em menor grau,
da lípase pancreática, interferindo negativamente no processo de emulsificação
dos lipídios e dificultando a absorção intestinal dos mesmos. Uma substância
alkalóide, contida no chá verde e denominada de teofilina, também possui
propriedades que contribuem com a diminuição do peso corporal. A teofilina
induz atividade psicoativa, possui efeito vasodilatador, diurético, e causa
relaxamento da musculatura lisa dos brônquios, estimulando a respiração(6).
Contrariando alguns resultados positivos encontrados a favor do chá
verde, em 2004 Kovacs et al.(21) conduziram uma pesquisa com objetivo de
identificar se o chá verde era capaz de manter o peso de indivíduos
moderadamente obesos que haviam previamente sido submetidos à perda de peso com
dieta hipocalórica. 104 indivíduos foram submetidos à dieta com baixo consumo
energético por um período de 4 semanas, sendo que durante esse período a média
de perda de peso foi de 6,4kg (7.5% do peso corporal total). Em seguida esses
indivíduos foram divididos aleatoriamente em dois grupos que receberam capsulas
contendo 450mg de chá verde ou placebo por um período de 13 semanas. Ao final
do período os dois grupos recuperaram uma parte do peso perdido (basicamente de
massa livre de gordura), sem diferenças significativas entre os grupos, além de
ambos apresentarem os mesmos valores metabólicos (ex. gasto energético de
repouso, quociente respiratório) e sanguíneos (glicose, insulina,
triglicerídeos, etc). A quantidade de chá verde utilizada, bem como a via e
número de administrações, e período de utilização foram os mesmos utilizados
por Dulloo et al.(12), entretanto os resultados obtidos foram diferentes dos
encontrados anteriormente, não apoiando a idéia de que o chá verde tem
potencial de aumentar a termogênese.
Uma revisão sistemática da literatura com meta-análise, utilizando
apenas ensaios clínicos randomizados, buscou avaliar os efeitos do chá verde em
parâmetros antropométricos de humanos (peso, IMC, circunferência de cintura e
relação cintura-quadril). Inicialmente 341 artigos foram encontrados sobre o
tema, entretanto apenas 15 artigos cumpriam os critérios de inclusão. Os
autores concluíram que a ingestão de chá verde parece reduzir o peso corporal,
IMC e a circunferência de cintura. Entretanto a magnitude dos efeitos ao longo
de 12 semanas é pequena e sem relevância clínica. Ainda segundo os autores,
baseados na literatura atual e na pequena quantidade de estudos disponíveis,
não é possível concluir que o chá verde sozinho pode alterar os parâmetros
antropométricos e favorecer o emagracimento(22).
Possíveis reações adversas do uso de chá verde
Apesar do chá verde possivelmente possuir vários benefícios para a
saúde, seu efeito e de seus constituintes provavelmente são seguros até certa
dosagem, já que o uso de grandes quantidades pode causar alguns efeitos
adversos. Em animais, altas doses de catequinas mostraram efeitos citotóxicos
para as células hepáticas, além de danos oxidativos para o DNA do pâncreas e
fígado, aumento da tireóide e até maior oxidação de células β pancreáticas,
causando dificuldade do controle da hiperglicemia em ratos diabéticos,
entretanto em humanos é muito improvável que tais efeitos aconteçam com o uso
do chá verde, mesmo bebendo altas doses da bebida(4). Um estudo duplo-cego
randomizado realizado em 2009 investigou o impacto de altas doses de
suplementação com catequinas (714mg/d) durante 3 semanas em marcadores das
funções hepáticas e renais de humanos. As enzimas hepáticas (AST, ALT, GGT),
bilirrubina, uréia, ácido úrico e albumina permaneceram inalteradas mesmo com a
utilização de altas doses de catequinas ofertadas(27).
Os efeitos nocivos de altas doses de chá verde são causadas
possivelmente por 3 fatores: o conteúdo de cafeína, a presença de alumínio e
efeitos dos polifenois na biodisponibilidade de ferro. Apesar do conteúdo de
cafeína no chá verde ser baixo, o seu consumo não é aconselhado para pessoas
com sensibilidade às bases xânticas(6). Os efeitos negativos produzidas pela
cafeína são insônia, dor de cabeça, epigastralgias, taquicardia, vômitos, etc.
Não é recomendado o consumo de chá verde por cardiopatas, e gestantes devem
limitar o uso em 1-2 xícaras por dia. Em estudo realizado in vitro, altas
dosagens de catequinas inibiram a dihidrofolato redutase, o que segundo os
autores poderia levar a uma deficiência de ácido fólico e causar defeitos no
tubo neural de fetos(26). Alguns estudos demonstram que o chá verde contém
grandes quantidades de alumínio e que o consumo de chá por indivíduos com
insuficiência renal deve ser feito com cautela, já que existe a possibilidade
do alumínio se acumular no corpo e aumentar o risco de distúrbios
neurológicos6. As catequinas também parecem possuir uma grande afinidade pelo
ferro dietético, o que pode inibir a biodisponibilidade de ferro não-heme entre
79 e 94% quando ambos são consumidos concomitantemente(6). Indivíduos que
sofrem de anemia devem consumir o chá com cautela, e não devem utilizá-lo junto
a refeições ricas em ferro para não ocorrer competição entre nutrientes.
Os estudos avaliados pela meta-análise de Phung et al.(21) não
encontraram nenhum evento adverso com a utilização de chá verde, sendo que a
média de consumo de catequinas nos estudos foi de 588mg/d. O consumo de 3-4
xícaras de chá verde por dia (1 colher de chá para cada 240ml de água) provê
cerca de 240 a 320mg de polifenóis, e esta dosagem parece ser segura. Na
maioria dos estudos com o uso de chá verde, quando há relato de efeitos
colaterais, estes parecem ser na sua maioria problemas gastrintestinais e
desordens do SNC causados pelo conteúdo de cafeína presente nas folhas do chá,
e que podem ser contornados facilmente com a suspensão ou diminuição da ingestão
do produto.
Considerações Finais
Os mecanismos moleculares pelos quais o chá verde exerce seu efeito
parecem ser variados, atualmente acredita-se que o aumento da termogênese e da
oxidação lipídica, diminuição da diferenciação de adipócitos, morte celular de
adipócitos maduros e redução da absorção lipídica podem estar envolvidas no
processo de emagrecimento. Entretanto mais estudos são necessários para
comprovar os reais efeitos fisiológicos das substâncias contidas no chá verde,
bem como para estabelecer normativas a respeito da dosagem, freqüência de
consumo e modo adequado da preparação.
Estudos realizados in vitro, em modelos animais e em humanos têm
apontado para o potencial do chá verde e de suas catequinas no emagrecimento,
entretanto os resultados até o presente momento são modestos e algumas vezes
contraditórios. Alguns estudos também apontam para um possível efeito sinérgico
do consumo de chá verde e a prática de exercícios físicos, e que certamente será
potencializado com uma alimentação bem equilibrada. Apesar de mais estudos
serem necessários, até o presente momento o chá verde parece ser um alimento
seguro e economicamente viável, e que o consumo regular pode auxiliar no
tratamento da obesidade e de diversas patologias.
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