segunda-feira, 2 de junho de 2014

Febre nas academias, aeróbio em jejum pode fazer mal à saúde




A prática do exercício aeróbio de estômago vazio, conhecido como AEJ (sigla para aeróbio em jejum), tem sido cada vez mais frequente nas academias do País entre os que lutam por um corpo perfeito. “Estudos apontam riscos cardiovasculares, além de serem comuns as quedas e lesões provocadas por tonturas e desmaios”, adverte Paulo Gentil, doutor em ciências da saude e autor de livros sobre emagrecimento. A convite do blog, ele e outro especialista no tema, o professor universitário Eduardo Porto, concederam a seguinte entrevista:

1-    O que levou o  treino em jejum, o chamado AEJ (aeróbio em jejum),  a virar moda nas academias do País?
Paulo Gentil – Porque um grupo de pessoas que não tem muito conhecimento técnico resolveu copiar uma prática adotada por participantes de concursos de beleza e seus seguidores. Essas pessoas colocaram fotos e vídeos de corpos esculpidos à base de outros procedimentos, como cirurgias e drogas, e muita gente caiu na falácia do “cum hoc ergo propter hoc”, associando os resultados ao aeróbio e jejum. Como infelizmente as pessoas não se preocupam em buscar informações de qualidade, estamos vendo essa prática ressurgir após algumas anos esquecida (o último “grande” surto dessa prática, que eu me lembre, havia sido devido ao livro Body For Life na década de 1990).
Eduardo Porto - Atribuímos a isto um conjunto de fatores, que vão desde a crença de que o exercício para emagrecer precisa oxidar gorduras durante sua execução, até as falsas promessas de “queimar” cinco vezes mais gorduras por conta do jejum. Some a isto a influência de gente famosa postando fotos nas redes sociais, atribuindo ao AEJ seus corpos quase que anoréxicos, e o fato do AEJ fazer parte do programa de preparação de alguns fisiculturistas. Entretanto, o que mais nos preocupa é saber que até mesmo profissionais da saúde, como Professores de Educação Física, Nutricionistas e Médicos, são adeptos desse método e acabam por indicar e prescrever para seus alunos, clientes e e pacientes.

2-    Passar um longo período dormindo, de 6 a 8 horas, acordar e, ao invés de tomar um bom café da manhã, ir malhar em jejum não pode trazer prejuízos à saúde?
Paulo Gentil – Apesar de existirem estudos associando a falta de glicose com danos neurais, essa é uma situação extrema, que dificilmente será alcançada pelo praticante comum após jejuar por 6 a 8 horas. Mas existem estudos em animais que apontam riscos cardiovasculares, além de serem comuns as quedas e lesões provocadas por tonturas e desmaios.
 Eduardo Porto – Sim. Em estudo recente com animais, pesquisadores europeus concluíram que mesmo o simples período de jejum noturno pode provocar e agravar eventos cardiovasculares, e pacientes com fatores de risco cardiovascular devem evitar longos períodos de jejum. Se levarmos em consideração que um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares é o acúmulo de gordura, podemos concluir que a maioria das pessoas que se exercitam em jejum na tentativa de combater o sobrepeso e a obesidade, pode estar pondo em risco sua saúde.

3-    Alguns defensores do Aeróbio em Jejum (AEJ) dizem que o método ajuda a queimar mais gordura, assim como o HITT? Qual a sua opinião? De fato o AEJ queima mais gordura?
Paulo Gentil – Quem fala isso está totalmente enganado. Os estudos mostram que nas horas seguintes aos treinos intensos há aumento do metabolismo de repouso e elevação do gasto de gordura. Já no caso do aeróbio em jejum, os estudos demonstram o contrário. Um exemplo é um estudo de pesquisadores italianos no qual a realização do exercício antes do café da manhã levou à redução do metabolismo e preservação da gordura por um período de pelo menos 24 horas em comparação à situação alimentada.
Eduardo Porto – Essa afirmação está ultrapassada. O treinamento intenso, apesar de não priorizar a oxidação de gorduras durante sua execução, eleva o metabolismo e a taxa de oxidação de gorduras no repouso. Enquanto isso, pesquisadores norte-americanos não observaram diferença na quantidade de gordura intramuscular após 90 minutos de aeróbio de baixa intensidade. Para eles, nesse tipo de atividade a intensidade é tão baixa que a gordura é simultaneamente oxidada e, assim, a sua concentração permanece praticamente constante. Um outro estudo verificou que o exercício aeróbio em jejum reduziu o metabolismo e inibiu a oxidação de gorduras, levando os pesquisadores a recomendarem a realização de uma refeição adequada antes do exercício físico.

4-    O AEJ não pode, na verdade, consumir massa muscular, já que o corpo em jejum está sem carboidrato como fonte de energia? Assim, existe perda de gordura, mas também de massa muscular?
Paulo Gentil – Na verdade, o primeiro engano a se corrigir é que existe perda de gordura! Os estudos sobre realização de atividade em jejum mostram que, na perspectiva mais otimista, o que se queimaria de gordura seria irrelevante. Para se der idéia, uma pessoa que passe 12 horas em jejum, se exercite por mais de uma hora e ainda permaneça em jejum por mais uma hora após a atividade não chegaria a gastar 5 gramas de gordura a mais do que se tivesse se alimentado. É muito sacrifício pra pouca coisa. E o pior é que isso seria reposto, talvez até com sobras, no período seguinte, conforme sugerem os estudos que analisaram o metabolismo após a atividade. Sobre a massa muscular, se o jejum fosse extremo e a atividade intensa, talvez houvesse perda, mas como as pessoas fazem esses exercício em baixa intensidade, acaba que o risco é reduzido.
Eduardo Porto – Nem um, nem outro. A intensidade do AEJ é tão baixa que a quantidade de gordura oxidada e os riscos de perda de massa muscular se tornam irrelevantes. Mesmo assim, na maioria das vezes ,o AEJ não é realizado em jejum. Algumas pessoas recomendam a ingestão de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) e/ou Glutamina cerca de 30 minutos antes de iniciar o AEJ, com o objetivo de evitar a utilização dos aminoácidos que compõem a massa muscular. No entanto, a suplementação de aminoácidos numa situação de jejum e esforço, como as vivenciadas durante o AEJ, só surtirá o efeito desejado (poupar massa muscular) se os aminoácidos, que custam bem mais caro que os carboidratos, forem convertidos em glicose. Ou seja, a pessoa paga caro por um produto (aminoácido) para ser “transformado” em outro muito mais barato (carboidrato), sendo que um café da manhã adequado já preveniria a tão temida perda da massa muscular.

5-    Qual o melhor método para perder peso de maneira saudável e reduzir o percentual de gordura?
Paulo Gentil – O  melhor método, cientificamente comprovado, é combinar uma alimentação adequada com exercícios de alta intensidade.
Eduardo Porto - Estratégias para emagrecimento devem envolver intervenção nutricional adequada e treinamento de força com exercícios resistidos (musculação) associados a protocolos de treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT), que estimulam a elevação da Taxa Metabólica de Repouso e mantém a oxidação de gorduras elevada, mesmo horas após sua execução.

6-    É possível uma mulher ser magra como a Gisele Bündchen e ter percentual de gordura elevado?
Paulo Gentil – Não só é possível, como bastante comum. As pessoas confundem ter peso baixo com terem pouca gordura. O excesso de atividades de baixa intensidade e longa duração pode levar o corpo a buscar a preservação da gordura com a perda concomitante da massa muscular. Se isso for somado à uma alimentação inadequada, o quadro pode até ser de uma perda acentuada de peso, mas essa perda virá muito da massa muscular. A consequência será uma pessoa de peso baixo e percentual de gordura alto.
Eduardo Porto – Sim, é possível. Geralmente, as pessoas confundem magreza com leveza, por não compreenderem que perder peso não é o mesmo que emagrecer. Perder peso é quando utilizamos como referência apenas o peso corporal, sem distinguir a massa magra da gorda. Nesse caso, uma pessoa pode ter a constituição física parecida com a Gisele Bündchen (baixo peso corporal) e possuir um percentual de gordura elevado. Da mesma forma que existem pessoas extremamente pesadas, mas com baixo percentual de gordura.