A prática do exercício aeróbio de estômago
vazio, conhecido como AEJ (sigla para aeróbio em jejum), tem sido cada vez mais
frequente nas academias do País entre os que lutam por um corpo perfeito.
“Estudos apontam riscos cardiovasculares, além de serem comuns as quedas e
lesões provocadas por tonturas e desmaios”, adverte Paulo Gentil, doutor em
ciências da saude e autor de livros sobre emagrecimento. A convite do blog, ele
e outro especialista no tema, o professor universitário Eduardo Porto,
concederam a seguinte entrevista:
1- O que levou o
treino em jejum, o chamado AEJ (aeróbio em jejum), a virar moda nas academias do País?
Paulo Gentil – Porque um grupo de pessoas
que não tem muito conhecimento técnico resolveu copiar uma prática adotada por
participantes de concursos de beleza e seus seguidores. Essas pessoas colocaram
fotos e vídeos de corpos esculpidos à base de outros procedimentos, como
cirurgias e drogas, e muita gente caiu na falácia do “cum hoc ergo propter
hoc”, associando os resultados ao aeróbio e jejum. Como infelizmente as pessoas
não se preocupam em buscar informações de qualidade, estamos vendo essa prática
ressurgir após algumas anos esquecida (o último “grande” surto dessa prática,
que eu me lembre, havia sido devido ao livro Body For Life na década de 1990).
Eduardo Porto - Atribuímos a isto um
conjunto de fatores, que vão desde a crença de que o exercício para emagrecer
precisa oxidar gorduras durante sua execução, até as falsas promessas de
“queimar” cinco vezes mais gorduras por conta do jejum. Some a isto a
influência de gente famosa postando fotos nas redes sociais, atribuindo ao AEJ
seus corpos quase que anoréxicos, e o fato do AEJ fazer parte do programa de preparação
de alguns fisiculturistas. Entretanto, o que mais nos preocupa é saber que até
mesmo profissionais da saúde, como Professores de Educação Física,
Nutricionistas e Médicos, são adeptos desse método e acabam por indicar e
prescrever para seus alunos, clientes e e pacientes.
2- Passar um longo período dormindo, de 6 a 8 horas,
acordar e, ao invés de tomar um bom café da manhã, ir malhar em jejum não pode
trazer prejuízos à saúde?
Paulo Gentil – Apesar de existirem estudos
associando a falta de glicose com danos neurais, essa é uma situação extrema,
que dificilmente será alcançada pelo praticante comum após jejuar por 6 a 8
horas. Mas existem estudos em animais que apontam riscos cardiovasculares, além
de serem comuns as quedas e lesões provocadas por tonturas e desmaios.
Eduardo
Porto – Sim. Em estudo recente com animais, pesquisadores europeus concluíram
que mesmo o simples período de jejum noturno pode provocar e agravar eventos
cardiovasculares, e pacientes com fatores de risco cardiovascular devem evitar
longos períodos de jejum. Se levarmos em consideração que um dos principais
fatores de risco para doenças cardiovasculares é o acúmulo de gordura, podemos
concluir que a maioria das pessoas que se exercitam em jejum na tentativa de
combater o sobrepeso e a obesidade, pode estar pondo em risco sua saúde.
3- Alguns defensores do Aeróbio em Jejum (AEJ) dizem que o
método ajuda a queimar mais gordura, assim como o HITT? Qual a sua opinião? De
fato o AEJ queima mais gordura?
Paulo Gentil – Quem fala isso está
totalmente enganado. Os estudos mostram que nas horas seguintes aos treinos
intensos há aumento do metabolismo de repouso e elevação do gasto de gordura.
Já no caso do aeróbio em jejum, os estudos demonstram o contrário. Um exemplo é
um estudo de pesquisadores italianos no qual a realização do exercício antes do
café da manhã levou à redução do metabolismo e preservação da gordura por um
período de pelo menos 24 horas em comparação à situação alimentada.
Eduardo Porto – Essa afirmação está
ultrapassada. O treinamento intenso, apesar de não priorizar a oxidação de
gorduras durante sua execução, eleva o metabolismo e a taxa de oxidação de
gorduras no repouso. Enquanto isso, pesquisadores norte-americanos não
observaram diferença na quantidade de gordura intramuscular após 90 minutos de
aeróbio de baixa intensidade. Para eles, nesse tipo de atividade a intensidade
é tão baixa que a gordura é simultaneamente oxidada e, assim, a sua
concentração permanece praticamente constante. Um outro estudo verificou que o
exercício aeróbio em jejum reduziu o metabolismo e inibiu a oxidação de
gorduras, levando os pesquisadores a recomendarem a realização de uma refeição
adequada antes do exercício físico.
4- O AEJ não pode, na verdade, consumir massa muscular, já
que o corpo em jejum está sem carboidrato como fonte de energia? Assim, existe
perda de gordura, mas também de massa muscular?
Paulo Gentil – Na verdade, o primeiro
engano a se corrigir é que existe perda de gordura! Os estudos sobre realização
de atividade em jejum mostram que, na perspectiva mais otimista, o que se
queimaria de gordura seria irrelevante. Para se der idéia, uma pessoa que passe
12 horas em jejum, se exercite por mais de uma hora e ainda permaneça em jejum
por mais uma hora após a atividade não chegaria a gastar 5 gramas de gordura a
mais do que se tivesse se alimentado. É muito sacrifício pra pouca coisa. E o
pior é que isso seria reposto, talvez até com sobras, no período seguinte,
conforme sugerem os estudos que analisaram o metabolismo após a atividade.
Sobre a massa muscular, se o jejum fosse extremo e a atividade intensa, talvez
houvesse perda, mas como as pessoas fazem esses exercício em baixa intensidade,
acaba que o risco é reduzido.
Eduardo Porto – Nem um, nem outro. A
intensidade do AEJ é tão baixa que a quantidade de gordura oxidada e os riscos
de perda de massa muscular se tornam irrelevantes. Mesmo assim, na maioria das
vezes ,o AEJ não é realizado em jejum. Algumas pessoas recomendam a ingestão de
aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) e/ou Glutamina cerca de 30 minutos
antes de iniciar o AEJ, com o objetivo de evitar a utilização dos aminoácidos
que compõem a massa muscular. No entanto, a suplementação de aminoácidos numa
situação de jejum e esforço, como as vivenciadas durante o AEJ, só surtirá o
efeito desejado (poupar massa muscular) se os aminoácidos, que custam bem mais
caro que os carboidratos, forem convertidos em glicose. Ou seja, a pessoa paga
caro por um produto (aminoácido) para ser “transformado” em outro muito mais
barato (carboidrato), sendo que um café da manhã adequado já preveniria a tão
temida perda da massa muscular.
5- Qual o melhor método para perder peso de maneira
saudável e reduzir o percentual de gordura?
Paulo Gentil – O melhor método, cientificamente comprovado, é
combinar uma alimentação adequada com exercícios de alta intensidade.
Eduardo Porto - Estratégias para
emagrecimento devem envolver intervenção nutricional adequada e treinamento de
força com exercícios resistidos (musculação) associados a protocolos de
treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT), que estimulam a elevação da
Taxa Metabólica de Repouso e mantém a oxidação de gorduras elevada, mesmo horas
após sua execução.
6- É possível uma mulher ser magra como a Gisele Bündchen
e ter percentual de gordura elevado?
Paulo Gentil – Não só é possível, como
bastante comum. As pessoas confundem ter peso baixo com terem pouca gordura. O
excesso de atividades de baixa intensidade e longa duração pode levar o corpo a
buscar a preservação da gordura com a perda concomitante da massa muscular. Se
isso for somado à uma alimentação inadequada, o quadro pode até ser de uma
perda acentuada de peso, mas essa perda virá muito da massa muscular. A
consequência será uma pessoa de peso baixo e percentual de gordura alto.
Eduardo Porto – Sim, é possível.
Geralmente, as pessoas confundem magreza com leveza, por não compreenderem que
perder peso não é o mesmo que emagrecer. Perder peso é quando utilizamos como
referência apenas o peso corporal, sem distinguir a massa magra da gorda. Nesse
caso, uma pessoa pode ter a constituição física parecida com a Gisele Bündchen
(baixo peso corporal) e possuir um percentual de gordura elevado. Da mesma
forma que existem pessoas extremamente pesadas, mas com baixo percentual de
gordura.