Brilhante
e muito edificante/útil texto do Dr. Alexandre Feldman ·
(Última Atualização: 24/06/2014), reproduzido aqui parcialmente sob permissão
do mesmo. Versão completa/original, com gravuras e formatação adequados aqui
(recomendo o acesso!):
“Os
médicos, até os dias de hoje, quando se formam, fazem um juramento: o Juramento
de Hipócrates. É verdade que em países como o Brasil o Juramento de Hipócrates
é meramente simbólico (como veremos, não é obrigatório fazer o
Juramento de Hipócrates na íntegra para se formar médico no Brasil). De
qualquer modo, o Juramento de Hipócrates está entre os mais famosos de todos os
textos da Grécia Antiga.
Os
médicos, no dia da formatura, pensam que fazem o Juramento de
Hipócrates, ainda que simbolicamente.
Neste
documento, guardado pela National Library of Medicine, nos Estados Unidos, o
Juramento de Hipócrates encontra-se em grego na coluna da esquerda, com
tradução para o latim na coluna da direita.
*Hippocrates.
Ta euriskomena … Opera omnia … (Francofurti: Apud Andreae Wecheli heredes,
1595).
Estima-se
que o texto original do Juramento tenha sido escrito no Século 4 Antes de
Cristo.
Pensam
que fazem.
Pois
na verdade, boa parte do texto original do Juramento de Hipócrates é
simplesmente “cortada”. Omitida. Essa parte, quase sempre, o médico desconhece,
pois não é ensinada a ele. Não é divulgada.
Vamos
dar uma olhada no texto original, traduzido livremente por mim, abaixo.
Eu
juro por Apolo, o médico; e por Esculápio, Higéia, Panacéia, tendo todos
os deuses e deusas como minhas testemunhas que, de acordo com minha habilidade
e julgamento, manterei este Juramento e este contrato:
“Eu
vou nutrir a mesma afeição que tenho para com meus pais àquele indivíduo que me
ensinou esta arte, ser dele um parceiro na vida e preencher suas necessidades
quando requisitado; considerar os filhos dele como iguais aos meus próprios
irmãos, e ensinar-lhes esta arte caso desejem aprendê-la, sem pagamento ou
contrato; e que através das regras, aulas e todos os demais métodos de
instrução pré-estabelecidos, transmitirei um conhecimento da arte para meus
próprios filhos e para os filhos de meus professores, e para os estudantes
presos a este contrato e que proferiram este Juramento à lei da medicina, mas
não a outros.
Também
prescreverei regimes de estilo de vida que beneficiem meus pacientes, de acordo
com minha melhor capacidade e julgamento, E EU NÃO VOU LHES CAUSAR MAL ou
causar-lhes maus tratos.
Eu
não darei droga letal para ninguém, caso isso me seja solicitado, nem
aconselharei tal procedimento; e similarmente, não darei a uma mulher um
pessário que lhe provoque um aborto.
Na
pureza e de acordo com a lei divina, cumprirei minha vida e minha arte.
Eu
não utilizarei a faca, nem mesmo naqueles que sofrem de cálculos, mas deixarei
essa tarefa para aqueles que foram treinados nesta arte.
Em
qualquer casa que eu vá, entrarei pelo benefício do doente, evitando qualquer
ato voluntário de impropriedade ou corrupção, incluindo a sedução de mulheres
ou homens, sejam eles livres ou escravos.
Qualquer
coisa que eu veja ou escute nas vidas de meus pacientes, seja em conexão com
minha prática profissional ou não, e que não convenham ser comentadas do lado
de fora, eu manterei secretas, considerando todas essas coisas como privativas.
Contanto
que eu mantenha este Juramento fielmente e sem corrupção, que me possa ser
permitido partilhar plenamente da vida e da prática de minha arte, ganhando o
respeito de todos os homens por todos os tempos. No entanto, caso eu transgrida
e viole este Juramento, possa o contrário ser meu destino”.
Agora,
analisemos o conteúdo deste Juramento de Hipócrates.
Logo
de início, o Juramento invoca uma série de personagens da mitologia grega (e
mais tarde romana). E é sobre esses personagens que o médico está jurando. Veja
por que isso faz sentido:
Até
hoje, quando se faz um juramento, jura-se sempre por alguma coisa, ou
alguém, oualguma coisa que representa algo de caráter sagrado. E esse alguém é,
quase sempre, um ancestral (vivo ou morto) ou uma entidade divina.
Comumente
ouvimos dizer hoje em dia: – “Juro pela alma de …” (ancestral falecido), ou –
“Juro pela minha mãe” (ancestral vivo), ou até mesmo – “Juro por Deus” (alguém
de caráter sagrado). Nos tribunais dos Estados Unidos, o réu e as testemunhas
juram pela Bíblia, (coisa que representa o sagrado para a civilização
judaico-cristã). Mas o Juramento de Hipócrates consegue abranger tudo: ao
invocar personagens da mitologia grega, etrusca e romana, estão na
verdade sendo invocados nossos ancestrais de tempos imemoriais, do berço da
civilização ocidental, a quem devemos não apenas nossa herança genética, mas
também de conhecimento, e que por sua vez criaram esses personagens mitológicos
(deuses, portanto sagrados para nossos remotos ancestrais) através de sua
vivência e sabedoria há muito, muito tempo atrás. Esses personagens sempre
foram simbólicos e representavam uma série de fenômenos até hoje
inexplicáveis pela lógica.
Assim,
a palavra Apolo (que em grego pronuncia-se algo como Apólon) dá origem às
palavras redimir/salvar/resgatar (ἀπόλυσις), assim
comopurificação (ἀπόλουσις). Apolo é um personagem mitológico, filho de
Zeus (rei dos deuses do Olimpo). Apolo é um dos mais importantes deuses do
Olimpo, sendo conhecido como deus da luz e do Sol, da verdade e da profecia, da
medicina e da cura, das artes, da poesia e da música, entre outras coisas. A
medicina e a cura eram associadas a Apolo, e também pela mediação de seu filho,
Esculápio.
Enquanto
Apolo possuía vários domínios, Esculápio (que em grego pronuncia-se algo como
Asclépios) (Asklēpiós) era deus, especificamente, da medicina e da cura, dentro
da antiga mitologia grega.
Sua
mãe, Coronis, foi morta enquanto ainda grávida de Esculápio, por ter sido
infiel a Apolo; mas seu filho foi resgatado vivo de seu útero. Por isso recebeu
o nome Asclépios, que significa algo como “abrir com um corte”. Os romanos
traduziram Asclépios para Esculápio (Aesculapius).
As
palavras escalpelo (sinônomimo de bisturi)
e scalpel (bisturi em inglês) não são mera coincidência.
Esculápio era o deus específico da medicina, da cura, do rejuvenecimento e
também dos médicos. Várias regiões da Grécia Antiga possuíam santuários
dedicados a Esculápio, inclusive a ilha de Kos, onde Hipócrates, o lendário
médico grego, teria iniciado sua carreira. Os ancestrais da nossa civilização
ocidental peregrinavam em massa, quando doentes, para esses templos de cura.
Esculápio é simbolizado por um bastão envolvido por uma serpente. Em homenagem
a Esculápio, durante os rituais de cura, várias cobras não venenosas eram
deixadas serpenteando no chão dos quartos habitados pelos doentes e feridos.
Higéia,
na mitologia grega, é filha de Esculápio. Se, de um lado, Esculápio era
associado à recuperação e cura, a figura de Higéia (Ὑγεία) era
associada à prevenção das doençase à continuidade da boa saúde. Ela era
a deusa da saúde, da limpeza e do saneamento. Seu nome deu
origem à palavra higiene.
Muitas
estátuas e monumentos na Grécia, retratam Higéia segurando um receptáculo
circular que recebe o nome de pátera, envolto por uma serpente dócil
e prestes a se alimentar do seu conteúdo. A serpente representa,
simbolicamente, o paciente que está prestes a compartilhar do
tratamento, ao mesmo tempo em que está assumindo controle sobre seu próprio
bem-estar ao fazer as escolhas corretas.
O
Significado da Serpente:
A
serpente está relacionada a uma crença grega ainda mais ancestral, de que as
cobras seriam donas de grande sabedoria e capacidade de regeneração e cura (as
cobras trocam de pele “renovando-se”). Acreditava-se que os mortos iam para
“baixo”, para o fundo da terra, num lugar parecido com um sonho,
denominado Hades (e que não é nem bom, nem ruim). As serpentes
manteriam contato com os mortos, e poderiam até transportar a alma de antepassados
que retornariam de baixo para ajudar os vivos. A idéia de que as serpentes
possuem sabedoria provém justamente da crença que elas transportavam o espírito
dos nossos antepassados falecidos.
Panacéia
(em grego Πανάκεια) é irmã de Higéia, portanto filha de Esculápio e neta
de Apolo. Panacéia é deusa da cura. Observe que Apolo também era deus da
cura, entre outras coisas. Acontece que Panacéia e suas 5 irmãs, possuíam,
cada, uma faceta específica da arte de Apolo: Panacéia, a cura; Higéia,
a prevenção; Meditrina, alongevidade; Algéia, a beleza natural;
E Akeso (ou Aceso), a recuperação. Panacéia detinha uma poção, com a qual
curava os doentes. Daí surgiu o termo panacéia, utilizado até hoje para
descrever um medicamento capaz de curar muitas doenças, ou “remédio universal”
capaz de solucionar todos os males.
E é
assim que o Juramento de Hipócrates se inicia, com a invocação solene: “Eu
juro por Apolo o Médico, e por Esculápio, Higéia e Panacéia, tendo como
testemunhas todos os deuses e deusas”…
Pergunto:
será que isso não possui um forte significado simbólico até os dias de hoje,
conectando-nos com as ‘forças’ (até hoje não completamente explicadas) que
governam nosso bem mais sagrado – a nossa saúde? Será que isso não representa
um compromisso solene com toda herança de nossa civilização e conhecimento?
O
médico jura, em primeiro lugar, ser profundamente agradecido ao Mestre que lhe
ensinou esta Arte, e a considerar os filhos de seu Mestre como seus próprios
irmãos.
No
tocante aos seus pacientes, o médico jura, antes de mais nada, tratá-los
comorientações de estilo de vida que lhes tragam benefícios. Sim –
estilo de vida mesmo! O texto original em grego fala em prescrição
de diaita; repare na linha 16 do documento acima. Ao contrário
do moderno significado de “dieta”, a palavradiaita não dizia respeito
apenas a hábitos alimentares, mas sim a exercícios físicos, hábitos de
trabalho, saúde mental, comportamento sexual, padrões de sono, higiene
corporal etc. Na tradução latina do documento acima, encontramos a palavra victus.Victus também
significa estilo de vida, modo de vida, além do significado mais
conhecido que possui (de provisões, nutrição, alimentos). Está
escrito Victus quoque rationem : “Estilo de vida também prescreverei”.
O
Juramento de Hipócrates prossegue: em seguida, o médico jura que não vai
causar mal a seus pacientes, e jura que não vai lhes dar droga letal
em nenhuma hipótese...
Continua em:
http://www.icaro.med.br/artigos/juramento-hipocrates-revelacoes-surpreendentes.html/